Tribunal de Jutisça SP: Limite e respeito – um mergulho no mundo da inclusão



 Falar de inclusão social é fácil, difícil mesmo é participar dessa inclusão, deixar o preconceito de lado e mergulhar num mundo desconhecido em que muitos resistem em interagir. Não faz muito tempo que as pessoas especiais de todas as suas características não tinham vida social ativa. Elas viviam trancafiadas em suas casas como se leprosos fossem, não existia uma vida fora do seu lar.

        Podemos dizer que isso está mudando e que, atualmente, as pessoas especiais podem comemorar a sua ‘carta de alforria’. Há leis que asseguram vagas em concurso público, obrigatoriedade da construção de rampas de acesso, calçadas adaptadas, cães-guias, programas de computadores e celulares, livros, cadeiras motorizadas e inúmeras outras tecnologias disponíveis no mercado.

        No entanto, muito ainda há por fazer. Nem sempre os necessitados possuem dinheiro suficiente para adquirir essa liberdade. Entretanto, há algo muito importante que não custa nem “um centavo de réis”, como diriam nossos antepassados. Algo simples, gratuito… chamado respeito pelo limite do outro. Como ingressar no mundo das pessoas especiais?

        Respeito é algo que tem que dormir e acordar com a pessoa. Respeito para com um ser semelhante a você, mas com características que os tornam especiais. Eles têm um ‘limite’, limite esse que deve ser respeitado, pois você tem um limite, eu tenho… todos têm! Se uma máquina tem limites, imagina só o ser humano. A palavra limite é encontrada em todas as áreas. Muitas vezes, essa palavra surge e ninguém reflete sobre ela. Parece ser muito simples, mas não é… limite da velocidade, do cartão de crédito, do comportamento, de peso, de liberdade, do mar, alimentação, do poder, na fala, no campo de futebol, da água… Sim, pense no limite de um copo d’água… apenas uma gotinha pode fazê-lo transbordar. Assim, é na vida de uma pessoa especial. Seu limite tem que ser respeitado e não por conta disso excluí-la da sociedade. Se há uma pessoa com limitação por que deixar que esse seu limite a impeça de viver em sociedade, uma sociedade justa e igual.

 

        O mundo das pessoas especiais

        Pense agora em atitudes de uma pessoa que não tem características que a torna ‘especial’, mas que é especial pela sua atitude, pela conduta de participar diretamente da inclusão social de um grupo e plantar a sementinha na esperança de produzir belos frutos. Trata-se de uma servidora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Gabriela Prado, do Fórum Criminal da Barra Funda, que dedica parte de suas horas ao convívio e aprendizado com um grupo teatral formado por pessoas especiais e não especiais.

         Gabriela entrou para a Família Forense paulista em 1994 por incentivo de sua mãe que ingressou no Tribunal de Justiça de São Paulo três anos antes. Na época, ela era estudante de Serviço Social e sonhava em trabalhar numa multinacional com muitos funcionários e aplicar o seus conhecimentos. No entanto, seguindo os conselhos de sua mãe, prestou o concurso, passou e foi lotada para trabalhar em um cartório criminal e, posteriormente, na sala de audiência. Cobrava muito de si e não admitia nenhum atraso no serviço. Sentia-se na obrigação de mostrar a realidade que muitos desconheciam, mostrar para a população o quanto funcionário público trabalha. Ela trabalhava com a juíza Érica Soares de Azevedo Mascarenhas, que a considera um grande exemplo, pois,  além do profissionalismo, tem um comportamento a ser seguido. “Trata a todos de forma cortês, sem distinção,  seja réu, advogado, vítima ou qualquer que seja a pessoa que mantém contato.” Apaixonada pelo que fazia, sempre Gabriela buscava se aperfeiçoar para atender o jurisdicionado. Com a mudança da Lei de Processo Penal e a chegada da audiência una fez o curso de estenotipia para agilizar mais ainda a audiência. Promover a justiça era o seu lema. Tudo estava a mil maravilhas até o momento que começou a sentir uma certa angustia, alguns medos começaram a surgir e prazer naquilo que fazia estava indo embora. Começou a se cobrar mais ainda. Como podia uma funcionária exemplar estar sentindo isso? Sua mente preconceituosa a cobrava o tempo todo, não poderia ter depressão nem qualquer outra doença! Percebeu que estava no seu limite, mas não queria estar.

        Por amar muito a vida e querer qualidade de vida, decidiu procurar uma psicóloga. Durante o tratamento,  a psicóloga sugeriu que fizesse algo que gostaria de ter feito no passado e não fez. Refletiu e pensou: teatro! Mas a solução dos seus problemas não havia sido encontrada. Precisava de dinheiro para custear o curso. Teve a ideia de procurar curso gratuito e encontrou a Companhia Teatral Olhos de Dentro um Exercício de Inclusão.

        Gabriela sabia que o curso era de inclusão social – havia pessoas com Síndrome de Down. No entanto, ao chegar ao local percebeu que havia diversos tipos deficiências, coordenação motora, visual e outras anomalias. No primeiro momento, pensou que não seria capaz de romper os preconceitos. “A cada dia fui percebendo que o limite do outro é o tempo diferente do meu, muitas vezes um limite que você dá a ele.” Para exemplificar, relata um acontecido: “tenho uma amiga no trabalho (que amo de paixão), uma amizade de muitos anos. Sempre tive vontade de convidá-la para ir a minha casa, mas nunca o fiz porque o acesso ao banheiro é por escadas e ela é cadeirante. Ao me mudar para o apartamento, contei a minha amiga o motivo pelo qual nunca a convidei e ela ficou muito brava. Ficava pensando no constrangimento que poderia causar e deixei de ter momentos maravilhosos ao seu lado por conta de um limite que, na verdade, eu impus a ela e que não existe, estava na minha cabeça. Aqui está o ponto novamente, você julga que o outro é limitado e põe limite a ele!”, ressalta.

        O ensaio da companhia teatral acontece todos os sábados pela manhã. Consiste em exercícios físicos, vocais, alongamento, respiração e leitura de textos de superação, entre outros. O treinamento, além de servir para a preparação dos atores, promove o

convívio e o contato físico, aproximando as pessoas especiais àquelas sem nenhuma dessas características. Para Gabriela, cada dia é uma nova descoberta.

        Os frutos desse trabalho de inclusão foram apresentados à sociedade durante o mês de abril deste ano por meio da peça teatral Cidade Cheia de Graça. No último domingo (28) seria a última apresentação, mas teve que ser transformada em duas, pois a fila de espera era grande, os 360 lugares do teatro Ruth Escobar foram lotados rapidamente e o público esperou mais uma hora para apreciar a sessão extra. O elenco, formado por 23 seres humanos (pessoas especiais e não especiais), trabalhou com graça as situações do cotidiano e em algumas cenas mostraram com humor casos que acontecem com as pessoas especiais, alguns preconceituosos, outros não. A peça foi um sucesso!

        A iniciativa do projeto é de Nina Mancin (diretora), o texto é de Carlos Meceni (adaptação), com a participação especial de “Músicos Integrantes da Orquestra Filarmônica Jovem Camargo Guarnieri”, com arranjos e adaptações musicais do maestro Daniel Martins. Nina Mancin trabalha com o teatro de inclusão há dez anos. Para ela, não é a apresentação do espetáculo em si o mais importante. “O importante é a caminhada diária, a interação e os diversos exercícios”, disse. O grupo teatral é livre e dele participam também muitas pessoas com pouco poder aquisitivo que não têm condições de pagar um curso, ou seja, outra inclusão.

        Gabriela, a corajosa servidora do Judiciário, diz que na companhia teatral encontrou acolhimento, tolerância, compromisso, superação e inclusão. “Acolhimento, pois a Cia recebe qualquer pessoa; tolerância, porque você tem que aprender a trabalhar com seus limites e com os limites dos outros; compromisso, porque apesar de ser gratuita a participação, é exigida da diretora comprometimento o tempo todo; superação, porque você começa acreditando que só poderá dar um passo e durante a caminhada você dá muito mais e nem percebe; inclusão, no sentido de que todos sem exceção, são capazes. Capacidade essa de fazer diariamente todos os exercícios de tolerância, acolhimento, compromisso, generosidade e respeito. Você se inclui e é incluído. Aqui está a minha impressão desse projeto que finalizo hoje, 28 de abril de 2013. Sempre tive interesse pelas causas da minoria, mas hoje questiono essa minoria. Foi sem intenção nenhuma de levantar qualquer bandeira que ingressei nesse projeto, tanto é que na minha ficha de inscrição havia a pergunta: Qual é o seu objeto com o curso? Eu respondi: ser feliz! . Digo do fundo do meu coração, sou feliz!”, declara uma sorridente Gabriela.

        No que se refere à inclusão e à superação, o Jus_Social revelou a existência de alguns exemplos de servidores especiais do TJSP que deixam muita gente de queixo caído, como Marina Alonso Guimarães, uma das representantes brasileiras nas Paralimpíadas 2012 e o servidor do fórum de Itapecerica da Serra, Roberto Carlos Hengles de dominar o tabuleiro em campeonatos de xadrez, inclusive representar o Brasil no exterior.

        Gabriela cita falas do corregedor-geral da Justiça, José Renato Nalini durante uma palestra proferida por ele que fala sobre o autoconhecimento. “Cada dia você acorda diferente, tudo que é humano afeta mais ou menos. O limite humano de minha colega leva a conhecer a ti mesmo e conhecer o outro.”

        Que a história da Gabriela Prado leve à reflexão sobre o respeito ao tempo do seu semelhante, ao limite que em muitas vezes é seu e não dele, além de inúmeras outras atitudes diárias que acontecem e não são notadas. Tenha uma excelente reflexão!

        Projeto Jus_Social – Este texto faz parte do Projeto Jus_Social, implementado em março de 2011. Consiste na publicação no site do TJSP, sempre no primeiro minuto do primeiro dia de cada mês, de um texto diferente do padrão técnico-jurídico-institucional. São histórias de vida, habilidades, curiosidades, exemplos de experiências que pautam as notícias publicadas sobre aqueles que – de alguma forma – realizam atividades que se destacam entre os servidores ou magistrados. Pode ser no esporte, campanhas sociais, no trabalho diário, enfim, qualquer atividade ou ação que o diferencie. Com isso, anônimos ganham vida e são apresentados. Com o projeto “Jus_Social”, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ganhou o X Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça 2012 (categoria Endomarketing).

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